Guará – Cunha – Ubatuba / Parte III
Acordei cedo e, depois de um delicioso café oferecido por Nirav, já estava pronto para cair na estrada. Muitas subidas me aguardavam neste dia.
O sol despontava tímido por entre as montanhas de Cunha e o frio ainda reinava. Em poucos minutos cheguei a SP-171 e segui sentido Paraty. Havia feito parte desse trecho no dia anterior e sabia que, pelo menos, os próximos 6km seriam de muitas subidas. Na verdade, os próximos 20km…
Este trecho entre Cunha e a divisa entre SP/ RJ é de uma beleza indescritível. Longas subidas vão dando lugar a vistas belíssimas de vales e montanhas que se estendem ao infinito. O movimento na estrada era pequeno, vez ou outra um carro passava, acredito que em parte às condições que a estrada se encontrava logo depois da divisa.
Ao longo do caminho, a estrada fica mais estreita e perde o acostamento. Se um veículo de grande porte não ocupar a faixa contrária para lhe ultrapassar com segurança, é aconselhável parar a bike e aguardar fora da pista, preservando a sua integridade. Um retrovisor ajuda bastante nessas horas pois percebe-se o motorista que se aproxima e se o mesmo mantêm uma distância segura ou não. Mas é uma estrada tranquila, acima de tudo.
Encontra-se uma queda d’água no caminho, próximo a mais um marco da Estrada Real, um bom ponto para descansar e seguir viagem. A medida que se sobe, a estrada fechada por árvores dá lugar a uma paisagem deslumbrante cortada por morros e vales.
Cheguei ao ponto alto da viagem, literalmente. Próximo a divisa com o Rio de Janeiro o GPS marcava 1.551 metros de elevação. Dali em diante seria uma descida vertiginosa, onde toda essa elevação seria reduzida a quase zero nos próximos 15km.
A partir da divisa SP-RIO, o asfalto virou um pavimento de pedras justapostas, que logo depois desapareciam para a chegada de um cascalho traiçoeiro e poeirento. A descida foi ficando mais ingreme e, por entre clareiras, avistei a cidade de Paraty sob um tapete de nuvens. Mais a frente, o caminho virou chão de terra e descia margeando grandes desfiladeiros. Com os freios quase travados, tentava me equilibrar diante do peso que levava. Este trecho entre SP e a descida até Paraty parecia estar em obras e, segundo boatos, seria pavimentado. Porém, conversando com um morador de Cunha, o mesmo disse que não havia vontade política de ambas as cidades em pavimentá-lo. Não sei como esse trecho se encontra atualmente.
No final da descida, o asfalto volta a surgir e a bicicleta a ganhar velocidade entre as curvas. Cruza-se uma ponte sobre um rio e logo aparecem as primeiras casas, um bairro e então uma avenida larga com uma ciclovia. Depois de pedalar um pouco, estou no centro de Paraty. Paro para tomar um lanche e dar sinal de vida para a família. Fico surpreso com a quantidade de alunos que utilizam a bicicleta para chegar a escola, parece uma grande bicicletada.
Hora de partir. Saio da cidade rumo a BR – 101 e sigo sentido o bairro de Trindade. A rodovia possui acostamento, apesar do mato tomar algumas vezes 2/3 dele, é um local tranquilo para se pedalar. Nos trechos de subidas, o acostamento desaparece, e o retrovisor ajuda a manter o olhar atento. Depois da entrada para o bairro de Trindade, há um boa serra até alcançar novamente a divisa de SP. Ela é razoavelmente longa, apesar de não ser tão íngreme.
Chego novamente a SP, e começo a descer rápido pelo acostamento. E que bela descida. No meio do caminho, uma grata surpresa, avisto outro cicloturista. Ele grita “COLOMBIA”, e eu, sem saber o que responder grito “BRASIL”. Ele subia e eu descia e não havia como estender o diálogo. Digo um ‘boa viagem” ao que ele responde algo que não consegui escutar. Mais a frente, chego ao meu destino naquele dia, a Praia da Fazenda, em Ubatuba, com sua extensa faixa de areia.
O saldo desse dia foi um total de 81km. Chegava em Ubatuba com o céu fechado e logo a chuva começou a cair, dando apenas o tempo necessário para que eu armasse a barraca. Fiquei no camping Caracol, a única opção na praia da Fazenda, que pertence a uma área de proteção ambiental. Por esse motivo, o camping não possui energia elétrica e os geradores são ligados à noite para esquentar os chuveiros e oferecer um período de luz, até serem novamente desligados. A estrutura do camping é bem básica, oferecendo além dos chuveiros, um fogão com gás e pia. Leve seus talheres e panelas. Não há comercio no local ou ao longo da praia e as merceárias mais próximas ficam a alguns kms.
Fiquei duas noites na Fazenda e, nesses dois dias, a chuva caiu sem trégua, colocando por água abaixo qualquer plano que eu tinha em fazer trilhas a pé pela região. Em silêncio, xinguei a mim mesmo inumeras vezes por não ter levado um livro ou alguma leitura mais substancial para matar o tempo. Distante de tudo e sem as distrações do nosso cotidiano louco, os pensamentos vagueiam. Surgem planos, objetivos, rascunhos de projetos e uma saudade boa de quem ficou e espera nosso retorno.
No dia do retorno a SP, levanto cedo e para minha surpresa a chuva dera uma trégua. Do camping até o centro de Ubatuba, pedalo por cerca de 37km. O trajeto possui acostamento e, por ser numa sexta e em baixa temporada, estava bem tranquilo. Há diversas entradas pelo caminho e com tempo, é possivel conhecer outras praias pela região, como a do Prumirim, que também dá nome a cachoeira que existe ali.
Duração da viagem: 05 dias, sendo 01 de descanso.
Hospedagem: Camping estruturado
Distancia total percorrida: 230km, aproximadamente.